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Representação Fiscal Para Fins Penais, a exigência da conclusão do procedimento administrativo fiscal para a remessa ao Ministério Público e outras teses de defesa

Seguindo os entendimentos do STF foi publicada pela Receita Federal do Brasil a portaria 199/2022, que altera a Portaria 1.750/2018, determinando a conclusão do procedimento administrativo fiscal para só então ser formalizada a representação para fins penais ao Ministério Público, quando houver elementos que comprovem o cometimento de crimes tributários.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu serem constitucionais as normas que determinam o envio de informações por parte do Fisco ao Ministério Público a respeito de dívidas tributárias que possam configurar crimes cometidos pelos contribuintes, desde que tenha ocorrido a conclusão na esfera administrativa.

A intenção com esse posicionamento, além de autorizar a continuidade das representações fiscais para fins penais, é manter o entendimento veiculado com a súmula vinculante nº 24 que dita que – “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.

O posicionamento do STF favorável ao término do procedimento administrativo para só então ter início o processo criminal visa evitar decisões contraditórias. E uma das formas de dar início ao processo criminal é o encaminhamento das informações apuradas pelo Fisco, que se vale de seu sofisticado sistema de cruzamento de dados.

Esse método de levar o que foi apurado mantem-se válido, e para traçar as diretrizes de como se deve tramitar foi publicada a Portaria da Receita Federal nº 199/2022, que altera a Portaria nº 1.750/2018, que dispõe sobre a representação fiscal para fins penais quanto aos crimes contra a ordem tributária, contra a Previdência Social e de contrabando ou descaminho.

A nova redação, que entrou em vigor em 1º de agosto de 2022, passa a prever que, além da necessidade de comprovação dos fatos que, em tese, configuram os crimes contra a ordem tributária e contra a Previdência Social, seja afastada a alegação de mero erro na transmissão das informações à base de dados da RFB.

Todavia, para não ocorrer a nulidade desse trâmite, agora, o fisco somente pode encaminhar as representações quando devidamente comprovada a ocorrência dos fatos que possam configurar os
mencionados crimes. “Art. 6º Somente será formalizada representação fiscal para fins penais decorrente de procedimento fiscal executado unicamente com fundamento nos dados disponíveis nas bases de dados da RFB se devidamente comprovada a ocorrência dos fatos que configuram, em tese, os crimes previstos no art. 2º e que afastem a alegação de mero erro na transmissão das informações à base de dados da RFB.”

Ocorre que não era raro o encaminhamento das representações fiscais sem a conclusão de que os fatos apurados pudessem ser enquadrados em crimes tributários, e com base nesse trâmite diversos processos tramitam com essa violação ao princípio constitucional do devido processo legal. Essa movimentação processual pode ser passível de anulação, tendo servido apenas para movimentar e onerar a máquina pública, além de causar despesas e preocupações aos acusados devido ao inegável desgaste de um processo criminal. Nesses casos é imprescindível que seja feita uma análise processual por um advogado especialista em Direito penal e em Direito Tributário, para a elaboração correta da defesa cabível, com base nas fundamentações adequadas.

DEFESA E ASSESSORIA NA REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS

A princípio é importante que se esclareça o que é a Representação Fiscal Para Fins Penais, que é promovida pelo fisco que com base na Lei 8.137/90, que definiu os crimes contra a ordem tributária, em que identificada a possibilidade do cometimento de algum crime tributário, no momento da lavratura do auto de infração, as autoridades fiscais devem documentar as informações obtidas para servirem de base a processo criminal ou também baseada nos artigos 334 e 299 do Código Penal quando houver infração aduaneira tipificada como Subfaturamento ou Interposição Fraudulenta.

Ocorre que, esse procedimento pode configurar uma notória prática com intuito de intimidar o contribuinte a pagar débitos tributários, e abrir mão dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, forçando o pagamento ou requerimento de parcelamento do valor.

Questiona-se se essa prática não seria uma forma de utilização do Direito Penal como forma de coerção ao pagamento de tributos. Com amparo no ditame de que “qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nessa Lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.”, o Estado usa sua máquina arrecadatória, vinculando débitos tributários a processos penais, tornando complexa a defesa judicial e extrajudicial, de forma que apenas especialistas no assunto tenham condições de promover a defesa dos contribuintes.

Essa forma de atuação foi formalizada em 2018 pela Receita Federal, por meio da Portaria 1.750/18, alterada pela Portaria 199/2022, conforme mencionado, que descreve o procedimento a ser adotado na Representação Fiscal Para Fins Penais, diante de indícios de crimes identificados no curso das fiscalizações.

Considerando os expressivos valores apontados nas autuações, através desse procedimento, os administradores das empresas podem sofrer relevantes restrições, constrições patrimoniais, caso sejam considerados corresponsáveis por eventual ilicitude cometida, além de condenações criminais, o que demanda o amplo e aprofundado conhecimento a ser empregado nas defesas.

A DEFESA EM RELAÇÃO À IMPUTAÇÃO DE CRIMES DESCRITOS EM REPRESENTAÇÕES FISCAIS.

Além da defesa na esfera criminal relacionada aos Crimes contra a Ordem Tributária, o ideal é que se faça uma minuciosa análise do procedimento administrativo prévio, que originou a representação. Destaca-se que somente após a conclusão regular e definitiva do procedimento administrativo seguido da constituição do débito é que será possível ao fisco remeter as informações a serem apuradas na via criminal. Portanto, muitas vezes é possível a impugnação do procedimento administrativo.

De início é importante realizar um correto cálculo do lapso temporal, considerando as causas de suspensão e interrupção da contagem do tempo, vislumbrando possível decadência ou prescrição, que geram a possibilidade de extinção dos créditos tributários.

Já no trâmite do processo criminal, algumas teses podem ser apontadas como defesa, e é importante que se saiba articular de forma correta os argumentos e provas de modo a demonstrar a improcedência das alegações apontadas pelo fisco ou pelo Ministério Público.

É imprescindível que os defensores do acusado dominem os mais recentes posicionamentos jurisprudenciais sobre o tema e tenham condições técnicas de correlacionar os diversos ramos do Direito ligados ao caso, notadamente identificar possíveis inconstitucionalidades. Outro ponto relevante apontado em decisão do STF, no HC 80.549, relacionada a crimes empresariais, firmou-se o entendimento de que deve haver a demonstração a contento do vínculo causal (tipo objetivo) e do liame subjetivo entre autor e fato, por ser vedada a responsabilização objetiva, ou seja, não cabe responsabilidade objetiva em crimes societários, nesses casos a denúncia não pode ser genérica, deve estabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que está sendo imputado.

Exige-se portanto, que se descreva de forma direta e objetiva a ação ou omissão do acusado (conduta), sob pena de contrariar normas constitucionais, o Código de Processo Penal e os Tratados Internacionais sobre o tema, além lesar os princípios do contraditório e ampla defesa. Tais fundamentos devem ser alegados em pedido de inépcia da denúncia.

Ademais, é importante considerar se a empresa enfrentou dificuldades financeiras, se os negócios foram mal por motivos que saíram do controle, possibilitando apontar como defesa a tese da inexigibilidade de conduta diversa, artigos 22 e 23 do Código Penal. Na situação específica não é possível exigir um comportamento diferente, muito aplicável em crimes tributários nessas situações.

Conforme apontado, há ainda a hipótese de desconstituição da alegação do cometimento de ilícito diante da ausência de materialidade do crime, nos termos da súmula vinculante 24 do STF, que determina que nos crimes contra a ordem tributária, para que existam, deve haver o lançamento definitivo, ou seja, procedimento administrativo regular e a constituição do crédito.

Também devem ser considerados o erro de tipo que é o erro sobre os elementos que compõem o tipo penal e o erro de proibição, que é o erro sobre a ilicitude do fato, se é crime ou não, e a grande extensão de tributos, leva o contribuinte a incidir em erro e não recolher o tributo da forma devida e ser acusado de crime, quando por vezes é possível demonstrar o equívoco.

Outra defesa importante seria a alegação da insignificância que exclui a tipicidade, a existência do crime, basicamente seguindo normativas federais que delimitam os fatos insignificantes. De outro lado é possível ainda, caso não existam argumentos de defesa, requerer o parcelamento do crédito, suspendendo o trâmite da ação penal.

REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FIS PENAIS E CRIMES DECORRENTE DE INFRAÇÕES ADUANEIRAS.

As operações aduaneiras frequentemente possuem repercussão acerca das representações fiscais para fins penais (RFFP), as quais normalmente são encaminhadas ao Ministério Público Federal (MPF) após o término do processo administrativo-fiscal que resulte na aplicação da pena de perdimento quando, em tese, restar configurado crime de descaminho, contrabando, falsidade material ou outro tipo contra a ordem tributária.

Este tema gera muitas dúvidas quanto aos procedimentos e suas consequências práticas, buscaremos, a seguir, contextualizar um pouco o assunto em questão.

Contudo, além dos crimes descritos acima, serão objeto de RFFP também as condutas que resultarem em lavratura de auto de infração decorrentes de apreensão de bens sujeitos à pena de perdimento que caracterizem, em tese, crime de contrabando ou descaminho.

Depois de formalizada e protocolizada a RFFP na mesma data da lavratura do auto de infração pelo Auditor-Fiscal, o processo administrativo-fiscal estará finalizado, e os autos só serão remetidos ao Ministério Público se: a) mantida a imputação de multa agravada, o crédito de tributos e contribuições não for extinto pelo pagamento e/ou b) se aplicada, a pena de perdimento, administrativamente, restar configurado, em tese, crime de contrabando ou descaminho.

O artigo 740 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009) também determina no mesmo sentido acima descrito. Portanto, na prática, quando a ação fiscal resultar a lavratura de auto de
infração para a aplicação da pena de perdimento, relacionado a fatos que configurem, em tese, crime de contrabando ou descaminho, será encaminhada a representação fiscal para fins penais ao MPF. Este, por sua vez, normalmente oficia tal fato à Polícia Federal para que seja instaurado o consequente inquérito policial e, após concluída a fase investigativa, seja oferecida (ou não) a denúncia sobre o crime praticado. Com a conduta supra, resta claro que a autoridade fiscal adentra ao campo penal para verificar se a conduta do administrado se caracteriza ou não como crime – lembrando que a autoridade deve se basear fundamentalmente em provas materiais do delito.

Acontece que é corriqueiro o fato de o auditor fiscal da Receita Federal considerar, por exemplo: a) como falsa a fatura comercial que contenha dados que, em seu entender, não condizem com a realidade da operação, configurando, em tese, falsidade documental; b) que o baixo preço de determinado produto possa configurar falsidade ideológica, o que pode caracterizar, em tese, como conduta precedente ao crime de descaminho.

Quanto à penalidade fiscal máxima relativa ao perdimento de bens importados e que poderá incorrer também na lavratura da RFFP, é indispensável que a conduta que a ensejou resulte em dano ao Erário,

resultado este que não pode simplesmente decorrer de mera presunção ou ficção legal, sendo que há que comprovar a existência de dolo. Diante do exposto, e sobre a esfera criminal, é imprescindível que a conduta danosa esteja relacionada a conduta do agente, pela qual será verificado se há ou não dolo ou má-fé, ou seja, a intenção de lesar os cofres públicos. E as decisões judiciais caminham no sentido de ser irrazoável a pena de perdimento quando ausente o elemento danoso.

Este ponto citado acima é só um dos diversos pontos questionáveis relativos à aplicação da penalidade de perdimento e à respectiva representação fiscal para fins penais que dela pode decorrer, sendo que todos os requisitos abordados acima devem, necessariamente, ser observados para que seja devidamente convalidada a figura de eventual crime fiscal.

Portanto, diante das dificuldades em se estruturar e manter qualquer empresa nos dias atuais, em razão da burocracia, concorrência de mercado, manter uma equipe de colaboradores engajados nos propósitos da empresa e preocupados com seu crescimento, somado aos altos custos de manutenção e cargas tributárias pesadas, demandam um rigoroso planejamento e controle por parte dos administradores, que além do empenho correm o risco de responderem criminalmente por fatos relacionados à tributação, comprometendo inclusive seu patrimônio.

O que não se pode admitir, porém, é que a Representação Fiscal para Fins Penais seja utilizada como mecanismo de coerção para fins meramente arrecadatórios e/ou constrangedores (com a publicação dos nomes de pessoas ligadas às empresas autuadas), em casos em que há mera discordância ou desentendimento quanto à aplicação da lei tributária. É importante que as empresas e seus diretores e administradores estejam preparados para as possíveis implicações negativas da RFFP e também atuem preventivamente para evitar maiores
entraves no seu dia a dia.

Escritório Especializado em direito civil, direito tributário, penal tributário e compliance

Sobre

Um pouco sobre Conrado Manoni

Experiente na atuação em Direito Público e Privado. Foi Escrivão, Consultor Jurídico Municipal e Analista no Ministério Público de São Paulo. Com estudos permanentes em diversos cursos de extensão e especializações.

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